sábado, 11 de outubro de 2008

Sismo

Uma verdade amarga
uma evidência clara
uma tentativa de fuga
duas negações
duas ameaças de derrocada
duas quedas fatais.

No final, é a exigência de reconstrução.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Ausência em quatro estações

Jardins Vermelhos no meio de nós.
Quebram silêncios ….
Abrem as memórias de ti.

Ficam as ondas dos teus cabelos
Nas pregas mil da minha pele.
A tua ausência é solidão mesclada.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Guerra Junqueiro nos Tempos Modernos


Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas...' “

Guerra Junqueiro, escrito em 1886.

Distam 122 anos do registo acima transcrito do escritor Guerra Junqueiro que por acaso veio parar aos meus olhos recentemente, em discussão aberta num grupo de amigos que reflectiam sobre a similitude do teor desta mensagem, ainda que metaforicamente falando, com os tempos modernos. As interrogações sucediam-se em cascata, os maiores argumentos levantavam-se dos sofás com veemência e retórica indignada; será que nós, enquanto Cidadãos, Portugueses, a viver no séc. XXI, com 34 anos de Democracia, com décadas de luta pelos valores de liberdade, também estamos, macambúzios, sonâmbulos, burros de carga como outrora o Junqueiro referiu dos seus compinchas? Será que andamos todos a sacudir moscas no ar? Será que nos tornamos incapazes de reagir quando nos sentimos lesados? Depois de discussão empolgada, a resposta foi unânime, o Sim, redondo e convincente, sem abjecções, ou resvalos para as reticências que ainda ponderam mais qualquer coisinha, sem o sinal de admiração, ou interrogação, apenas o sim seguido do ponto final, a remarcar a certeza e a finitude.
Atendendo às muitas esferas analisadas no debate, o âmago da polémica centrou-se nas entrevistas de procura de emprego que milhares de Homens e Mulheres enfrentam para se tornarem cidadãos integrados na sociedade. Na sua maioria jovens licenciados, mestres e afins, submetem-se a rigorosíssimas entrevistas para que a Entidade Empregadora possa analisar o perfil do candidato. Ora bem, coloca-se num estendal verbalizado os seguintes itens: Curriculum Vitae, as competências técnicas, científicas, graus académicos, títulos, interesses, hobbies, enfim, sacode-se o percurso de vida, em mais ou menos vinte minutinhos de prosápia enrolada em fatos Dolce Gabanna e outros que tais. O certo é que por detrás desses minutos onde tem que se espremer qualidades, melhor ou pior, consoante o grau de nervosismo do candidato, estão os decisores, os Juízes, os que mandam, os que avaliam a nossa inteligência, a nossa capacidade de integração numa equipa, a capacidade discursiva, os conhecimentos técnicos, a cultura geral e por aí adiante. A cada minuto que passa, há milhares de entrevistas em curso, e a cada minuto que passa crescem também as faces ocultas das injustiças e vergonhas, farsas vestidas de formalidades e elegantes hipocrisias, um deitar areia aos olhos dos candidatos. Parece-me que nem é o quociente de inteligência mas o quociente de quem indica, o factor decisivo. No meio da conversa, veio à baila a experiência de um jovem que foi seleccionado entre 800 candidatos para preencher um lugar numa Instituição Humanitária e devota a Deus. Lá Currículo teria o moço pois foi o escolhido para uma segunda entrevista, menos formal, com o intuito de se dar já ao conhecimento à Senhora Directora com a quase garantia de que seria ele a integrar a equipa do Instituto que se dedica ao trabalho humanitário, nobilíssimo, porque põe em prática a premissa de ajuda ao próximo. A coisa correu bem nessa segunda entrevista, o rapaz já nas nuvens, matriculou-se num mestrado, com o salário já poderia poupar para estudar mais e aperfeiçoar as suas competências, porque nesta vida, e como diz o povo e muito bem, parar é morrer. Mas, o pior e inesperado aconteceu. Passados dois diazinhos, as devotas de Deus contactam o rapaz que é confrontado, através de um telefonema curto, seco e incisivo, com a decisão de exclusão, de recuo, quanto à decisão que parecia já efectiva, sem adiantarem qualquer justificação objectiva e plausível, associada a esta decisão. Cada um fica no que se lhe parece. Quem tem muito caminho para palmilhar, não fique a sacudir moscas, esbraceje, proteste, e tenha na mesinha de cabeceira Guerra Junqueiro…….